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Advocacia + Futebol: como o uso da I.A. nesse esporte pode ajudar os advogados?

Essa reflexão nasceu no sábado, quando eu estava ouvindo em um podcast especializado em Inteligência Artificial a entrevista do Petar Veličković, pesquisador da Google DeepMind (link no final).


Ele esteve envolvido no desenvolvimento do TacticAI, um modelo que ajuda o Liverpool F.C. a tornar seus escanteios mais eficientes na Premier League (Campeonato Inglês).


Incrível, não é mesmo? Usar a Inteligência Artificial para analisar o comportamento dos times em uma cobrança de escanteio e criar estratégias para aumentar as chances de gol.

No entanto, o que me fez conectar o futebol com a advocacia foi uma pergunta que o entrevistador fez ao Petar, que foi:

"Por que vocês decidiram fazer algo tão limitado, que são as cobranças de escanteio, e não uma solução mais abrangente que analisasse todo o jogo?"

A resposta de Petar foi tão brilhante quanto simples :

"No jogo aberto, prever jogadas exatas, é praticamente impossível. Os seres humanos são imprevisíveis. Eles tomam decisões em frações de segundo e você não consegue modelar isso."

Na mesma hora eu correlacionei essa verdade com o que acontece na prática jurídica.


No jogo de futebol, existem as regras, mas os humanos podem tomar tantas decisões que é impossível prever todas as situações que podem acontecer.


No Direito, existem as regras, mas também os humanos podem tomar tantas decisões que é impossível prever todas as situações que podem acontecer.


Entende?


Um exemplo do mundo jurídico para ilustrar


Vamos pegar uma situação trivial: contratos.


Existe a legislação e quando duas ou mais pessoas assinam um contrato, elas incluem na sua relação as regras ali previstas. A ideia é que todos cumpram as regras combinadas. Certo?


Seria possível criar uma I.A. para "julgar" quando uma das partes violasse o contrato?


Sim e não. Vamos ver...


Quantas são as situações que podem ser consideradas uma violação ao contrato?


Se for um contrato aluguel, mudar a finalidade da locação de residencial para comercial seria um violação? Sim, normalmente o é. Fazer uma reforma estrutural no imóvel sem autorização do proprietário seria uma violação? Sim, também é uma violação comum.


Essas seriam violações de fácil constatação.


No entanto, há inúmeros outros comportamentos que o locador pode adotar que não se pode dizer tão facilmente se é ou não uma violação do contrato.


Usar um dos cômodos como escritório (home office) e vender produtos online, poderia ser considerada uma mudança da finalidade da locação residencial para comercial? Poderia ser considerada uma violação? Aqui já não é tão fácil decidir.


PS: conheço um casal de amigos meus exatamente nessa situação. Ainda não tiveram problemas com o locador.


Essa infinitude de possíveis comportamentos humanos que justifica as milhões de ações que temos hoje no Poder Judiciário, uma vez que uma situação geralmente vai para análise de um juiz quando, diante de um fato, as duas (ou mais) pessoas se acham com a razão, entendem que estão do lado da lei.


O que isso impacta no uso da I.A, pelos advogados?


Diante desse fato, os advogados precisam ser mais realistas.


Conversando com centenas de advogados desde o final de 2022, eu sei que muitos desejam que a IA seja seu novo "faz tudo". E que faça tudo "com perfeição".


Advogados nos grupos de WhatsApp condenam a "alucinação" da I.A. com a mesma veemência que condenam uma inconstitucionalidade manifesta ou uma violação à dignidade da pessoa humana!


É justo: uma ferramenta de I.A. generativa é fácil de usar, requer menos reflexão e está disponível na ponta dos dedos sempre que você precisar (agora, até por comando de voz).


Mas é realmente possível que um dia tenhamos ferramentas de I.A. tão convenientes e confiáveis quanto sonham muitos advogados?


A Imprevisibilidade no Futebol vs. Imprevisibilidade Jurídica


No futebol, mesmo com dados detalhados sobre cada jogador, posicionamento, e táticas de adversários, ainda é impossível prever cada jogada exata em tempo real.


No Podcast, Petar também foi incisivo ao dizer sobre a precisão da TaticAI:

O TactikAI tem uma precisão de certa de 80% para prever quem vai receber a bola em um escanteio, se você deixar escolher até 3 jogadores (...) Os modelos preditivos só te levam até um certo ponto.

A razão disso é a complexidade e a autonomia do comportamento humano, onde cada jogador, em frações de segundo, decide como reagir.


Por isso, Petar conclui com uma ideia que já falei várias vezes, a da simbiose entre humanos e máquinas para um resultado aprimorado:

No fim das contas, você precisa de uma combinação certa de fatores no lugar certo e na hora certa para transformar uma situação em gol (...) Então, se uma coisa ficou clara trabalhando com o Liverpool e analisando essas situações (...) foi que o jogo não é realmente estruturado ou previsível em cada situação individual.

O contexto jurídico é semelhante.


Embora existam leis, doutrinas e jurisprudências, os atores de cada situação individual (juízes, advogados, partes envolvidas, etc.) são seres humanos que tomam decisões com base em um vasto leque de fatores: experiências pessoais, emoções, estratégias e mesmo pressões externas.


Uma I.A. pode até analisar os dados e indicar que, para um determinado caso, um acordo seria a melhor solução. Porém, só um advogado perceberia na reunião, pela linguagem corporal da parte contrária, que ela não deseja um acordo, mas sim chamar a atenção do cliente ou criar um transtorno por mero desejo de vingança.


Regras e Padrões Não Eliminam a Complexidade


Assim como no futebol há táticas que aumentam a chance de sucesso (como a TactikAI que ajuda o Liverpool nos escanteios), na advocacia e no judiciário existem técnicas e estratégias para melhorar os resultados e aumentar as chances de êxito em um processo.


Já há inúmeras ferramentas, com ou sem inteligência artificial, que ajudam na análise de riscos e na previsão de decisões judiciais, identificando padrões nos precedentes e comportamentos dos juízes.


No entanto, assim como os jogadores em campo, cada juiz ou advogado pode se comportar de maneira imprevisível. Cada caso pode ter um único detalhe, que muda todo o jogo.


O Papel da I.A. na Redução de Incertezas Jurídicas (Lições)


Embora prever o comportamento humano em sua totalidade seja impossível, a inteligência artificial pode atuar como uma ferramenta poderosa para reduzir as incertezas e aumentar a eficiência.


No futebol, a ferramenta da TactikAI oferece insights para otimizar jogadas específicas, mas ele não controla a partida, nem garante o resultado do jogo.


No campo jurídico, ferramentas de IA generativa, algoritmos de machine learning e sistemas de análise de dados podem ajudar a identificar padrões e tendências, até redigir documentos ou sugerir estratégias com base em casos semelhantes.


Contudo, essas ferramentas não podem capturar o "imponderável" humano. Essa tarefa será, sempre, do profissional do direito.


E aqui estão nossas principais lições sobre o uso de ferramentas de IA por advogados, além de algumas coisas que todo profissional do direito deve ter em mente ao usá-las.


Lição 1: A IA é uma Ferramenta de Apoio, Não de Substituição


Assim como no futebol a inteligência artificial não substitui o talento dos jogadores, no direito, ela não substitui a expertise do advogado.


Ferramentas de IA são recursos valiosos para otimizar tempo e aumentar a precisão em tarefas repetitivas, mas não podem substituir a estratégia e a intuição humana.


O advogado deve usar a IA como um suporte, mas jamais delegar sua responsabilidade ou o seu julgamento a um sistema automatizado.


Lição 2: Conhecimento Profundo das Limitações da IA


Assim como o TactikAI não pode prever todas as jogadas possíveis em um jogo de futebol em aberto, ferramentas jurídicas de IA também têm limitações.


Elas trabalham com base em dados passados e padrões reconhecíveis, mas não conseguem capturar todas as nuances e variáveis envolvidas em um caso específico, principalmente aquelas relacionadas a fatores emocionais ou inesperados.


O advogado deve estar cientes de que a IA é poderosa para identificar padrões e tendências, mas nunca deve ser usada como um “oráculo” infalível. É crucial compreender as limitações do sistema para usá-lo de forma estratégica e cautelosa.


Lição 3: Valorização da Intuição e Expertise Humana


No direito, assim como em esportes de alta performance, a experiência e a intuição são cruciais para lidar com situações que escapam aos padrões estatísticos. As ferramentas de IA fornecem dados e insights, mas é o advogado que interpreta esses dados e decide como agir diante de cada particularidade do caso.


O advogado deve continuar a desenvolver suas habilidades técnico-jurídicas, interpretativas, analíticas e emocionais, complementando o que for feito pela I.A..


Conclusão


Os advogados precisam dedicar algum tempo para entender melhor como funcionam as ferramentas de Inteligência Artificial para conhecerem, especialmente, suas limitações.


Deixar de sonhar com "A I.A. jurídica perfeita" fará com que os advogados não só fiquem imunes às promessas mirabolantes de marketing que circulam pela internet todos os dias, mas também não coloquem em risco os direitos dos seus clientes e sua própria carreira.


E a principal lição é que a inteligência artificial pode ser incrível para muitas tarefas, porém nas situações que envolvem comportamento humano, ela conseguem ir até um certo ponto e nós teremos que terminar o trabalho, tomar a decisão e assumir a responsabilidade.


Espero ter ajudado a "clarear o jogo" para os colegas advogados.


Pesquisa para ajudar os advogados


Com o objetivo de entender em que nível de evolução estão os advogados brasileiros, bem como quais são suas necessidades e desejos, estamos realizado uma pesquisa inédita no Brasil.


Para participar, basta clicar nesse link e participar: https://bit.ly/pesquisaebld


Os resultados obtidos nessa pesquisa serão compartilhados em um relatório completo para os participantes, bem como serão apresentadas recomendações, dicas de ferramentas, técnicas de engenharia de prompts e caminhos para os advogados avançarem no uso da I.A. Generativa.


Contamos com a sua contribuição nesse estudo.


Obrigado!


Mauro Roberto Martins Junior


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